Resenha de Sob a Roseira de Rafaela Soares

Livro : Sob a Roseira

Autora: Rafaela Soares

Editora: Young Editorial

Número de páginas(e-book):255 pgs

 

          Vamos hoje conhecer um romance policial que expõe o submundo do tráfico de drogas em toda a sua complexidade?

 

          O Livro Sob a Roseira  de Rafaela Soares é  um suspense policial que narra a trajetória de jovens adultas, de apenas 21 anos, que passam de universitárias à chefes do tráfico de drogas.

         Ana e Maria são irmãs  gêmeas, que se vêem às voltas com o pai alcólatra e com a mãe que desenvolveu Alzeihmer.

         Inicialmente, as jovens tentam manter a rotina, frequentando a faculdade e levando a vida normalmente.

        Porém, aos poucos a situação torna-se insustentável. Não encontram alternativas senão internar a mãe numa clinica. Com a situação instável na Espanha, o dinheiro diminui e as contas aumentam com a despesa da clinica.

        Para não aborrecer ao pai, elas procuram esconder as dívidas e mantê-las pagas, mas um dia o correio chega num horário diferente, com a cobrança da mensalidade da clinica e o pai, sempre bêbado, começa a agir violentamente partindo para cima de Ana.

         Em defesa da irmã, Maria toma uma atitude inesperada: parte com a faca da cozinha para cima do pai, golpeando-o várias vezes.

       Ainda aturdida com o que acontecera, Ana é convencida pela irmã a enterrarem o corpo do pai debaixo de uma roseira muito perfurmada. Seria a única forma de se livrarem do corpo sem levantar suspeitas.

      Ana consegue um emprego numa loja de ervas numa tentativa de ajudar nas despesas, mas logo percebe que um rapaz, frequentador assíduo da loja, tem envolvimento com drogas- já que ela cursava bioquímica e percebe que as ervas eram para formulação de algo do gênero. Ana conta suas suspeitas para Maria e elas resolves segui-lo:

 

 O rapaz, Nick, realmente sintetizou um tipo de droga, a tears:

  -Nossos lucros serão divididos em três, certo?!

  —Não, Ana. Cinquenta por cento para mim e cinquenta para vocês duas. 

  —Como assim?! Os três vão trabalhar igualmente, não é justo. – Repliquei.

  —E quem disse que a vida é justa?! Eu tenho a fórmula, então eu fico com a metade.   

  —Sim, e nós conseguiremos os ingredientes. – Contra argumentei, tentando conseguir uma porcentagem maior nos lucros. 

  —Deixe para lá, Maria, nós topamos ficar com a metade. Quanto maior for o lucro, mais dinheiro nós teremos“

 

       Exatamente nesse ponto que os destinos de Ana e Maria são traçados.

      Todas as consequências, aparentemente boas- como o dinheiro para cuidar da mãe e uma nova casa e situação financeira melhor- assim como as ruins- cada vez se afundarem mais no universo do crime e serem constantemente ameaçadas, tanto no que tange ao poder dentro do tráfico quando externamente, pela polícia- são consequências dessa escolha inicial.

       Esse diálogo acima também mostra ao leitor a diferença de personalidade entre elas

       Ana age com mais tolerãncia e paciência às frustrações enquanto Maria é impulsiva e se arrisca desnecessariamente, muitas vezes.

 

      Mesmo quando a situação mostra-se arriscada demais, Maria quer continuar nesse jogo perigososo:

 

“—Parar?! Ana, nós não podemos parar, agora, muitas pessoas dependem de nós, inclusive a nossa mãe. Além disso, se nós pagássemos todos os negociantes e dívidas, não sobraria nada. Ficaríamos pobres, novamente. Eu não quero ser pobre. Você quer ser pobre?! – Parei por um instante para retomar o fôlego, antes de continuar. – Acho que os fins justificam os meios. Pense na mamãe, antes ela só podia ter os remédios mais baratos, mas agora nós podemos pagar o melhor tratamento. Seus acompanhantes ficam vinte e quatro horas por dia e rapidamente ela é atendida...”

 

    Aos poucos outros personagens participam dessa organização criminosa de fabricação e venda de drogas.

     Nick apresenta a elas um traficante de armas- Viktor Kochmanovik. O passado dele é obscuro, sabendo-se apenas que ele perdeu os pais na Rúsia, num suposto acidente.

      Ele ensina Maria a atirar e as ensina a reconhecer armas. Eles ampliam o negócio montando uma casa maior, e até presenteia as irmãs com dois cães que obedecem a comandos em alemão.

      Percebe-se que Rafaela Soares pesquisou bastante alguns detalhes tanto de investigação policial quanto do submundo do tráfico de drogas e armas, assim como há presenças de expressões em alemão e russo, o que traz mais veracidade à história, por se tratar de língua que os personagens falam.

      Quanto aos perfis psicológicos dos personagens, SOB A ROSEIRA  demonstra um excelente grau de aprofundamento .

      Ana em certos momentos tem alguma crise de consciência, mas Maria é a dominante na relação das duas e é fria e notadamente desapegada a laços afetivos- demonstrando ser narcisista e egocêntrica. 

      Possui algum afeto pela irmã, mas não se pode afirmar que esse afeto que diz possuir por Ana- graças à gemelaridade- não represente uma forma de amor por si mesma, ao ver na irmã, um espelho.

     Quanto ao casal; Entre Viktor e Maria há uma relação de cumplicidade e, embora Vitor acabe se declarando afetivamente a ela, Maria parece de alguma forma, fazer força para demonstrar sentimentos  legítimos por ele:

 

Viktor Kochmanovik, você me perdoa? Eu sei que deveria ter acreditado na sua palavra, mas eu fiquei muito irritada porque você escondeu aquilo de mim. E o ciúme me fez achar que ela era, realmente, sua amante. – Lágrimas brotaram dos meus olhos, tornando tudo mais sentimental e verdadeiro. – Por favor, Viktor, eu te amo. Vamos esquecer tudo isso.”

 

 

     Maria usa de Racionalização- um recurso psicológico- para justificar suas ações. Ela tem sempre uma razão externa para justificar seus atos, os outros são culpados por suas reações e de alguma forma, ela transforma vitima em algozes.

     Até mesmo tive dúvidas se ela não usou a possivel agressão contra sua irmã por parte do pai para tirá-lo do caminho, o assassinando.

       Assim como justificou colocar a mãe na clinica como sendo melhor para a mãe- mas até que ponto não seria melhor para ela mesma? Até que ponto ela, Maria, poderia ter escolhido outros caminhos? Em que momento Ana se omitiu permitindo as ações da irmã?

       Não por acaso, elas se tornam conhecidas como “AS Irmãs”.

      Viktor acaba sendo mais um a fazer parte como peão no jogo das irmãs:

 

Abri a porta, mas antes de sair completamente do carro, virei o corpo e disse "vou sentir saudades", recebendo dele, em seguida, um “eu também”. Poderíamos ter trocado juras de amor ou dito “eu te amo”, um ao outro, invés de apenas “vou sentir saudades", porém não era amor o que sentíamos. Sim, nós compartilhávamos alguns interesses em comum, e nos importávamos com o bem estar mútuo, mas a nossa conexão era mais física do que emocional. 

  Antes de minha mãe ficar doente e meu pai começar a beber, eu lembro como os dois eram ligados, sempre colocando o outro como prioridade, baseando as próprias felicidades na alegria do outro. Por causa disso eu achava que o sentimento que tínhamos não era amor. Talvez uma grande paixão, já que a conexão entre nós existia, mas, para mim, ainda não era forte o suficiente para fazer-me colocá-lo como prioridade.  “

 

      Porém, quando ele se enche de coragem e admite dizer um “eu te amo” Maria  apenas responde um seco “ok. Eu Também.”

      Como muitas pessoas que enveredam pelo mundo do tráfico, tanto de armas quanto de drogas, a construção do personagem Maria é rica em sutilezas e a autora desenvolveu uma personagem sociopata e que tem sérias propensões a possuir um transtorno opositivo- desafiador, isto é, alguém sem respeito por nenhum tipo de autoridade.

         A única pessoa que ela parece de fato amar é a irmã. Um amor complexo como ela própria.  

      Em dois momentos o Ponto de Vista -POV de Maria,-já que o livro é narrado em primeira pessoa, alterna com os Pontos de Vista de Viktor e de Ana. São momentos cruciais da narrativa, que não chegam a configurar uma troca efetiva de Ponto de vista.

     O submundo do tráfico de drogas corajosamente exposto em toda a sua complexidade.